domingo, 11 de maio de 2014

A Batalha Ideológica da Legislatura

Como podemos, afinal, definir o grau de sucesso ou insucesso da governação que tem vindo a ser seguida? Quais os parâmetros que devemos colocar nos pratos da balança?

Uma coisa é certa, se os nossos parâmetros se basearem somente no rendimento dos portugueses e na capacidade estritamente política deste governo, então temos aqui uma verdadeira catacumba. Este governo tem uma enorme dificuldade de falar a uma só voz, de ser explícito na sua comunicação e parece uma autêntica creche infantil a lançar ideias para o ar, tais como que nunca mais volta a tocar nos impostos para depois acabar por o fazer, seja por iniciativa própria ou por impossibilidade institucional de seguir outro caminho (leia-se: chumbo do Tribunal Constitucional).

Ainda assim, não esqueçamos, que bizarrices é coisa mais ou menos natural de todos os governos. Basta recordar nas governações Sócrates das promessas não cumpridas, da meia dúzia de escândalos que envolveram o primeiro-ministro de então, das patéticas tentativas de exposição mediática e do culto da imagem que tanto preocupavam o Eng. Sócrates, das burlescas figuras de ministros como Mário Lino, Manuel Pinho ou até da ministra da educação Maria Lurdes Rodrigues.

Podemos, e acho que devemos, tentar ir mais a fundo para no meio dos disparates típicos de muitos governos (que naturalmente são ampliados pela comunicação social, deixando de lado a discussão verdadeiramente útil) perceber um pouco melhor aquilo que se vai passando no nosso País.

A Situação Portuguesa em 2011
Primeiro torna-se imprescindível perceber de onde viemos e para onde queremos ir. O executivo de agora teve pela frente talvez a situação mais complicada da democracia portuguesa:
  • Portugal decidiu pedir ajuda externa pela enorme dificuldade de se financiar de forma independente nos mercados a juros minimamente suportáveis.
  • Na impossibilidade de se financiar Portugal encontrava-se numa situação de pré-bancarrota. Havia dinheiro nos cofres do estado para 3 semanas!
  • O acordo para um empréstimo a juros razoáveis implicava um protocolo de contenção orçamental que seria minuciosamente vigiado pelos nossos credores, ou seja, a troika (banco central europeu; comissão europeia; FMI). Este acordo que implicava elevados cortes na máquina do estado, reformas estruturais e aumento de impostos foi assinado pelos partidos que estão agora no governo e também pelo PS.
Ou seja, as dificuldades, sacrifícios, perda de rendimento, dificuldade de conseguir emprego que iriam marcar os anos desta legislatura eram um dado adquirido em 2011, logo, nunca seriam culpa deste governo. O “culpado” de, numa empresa, se despedir trabalhadores ou baixar salários não é do gestor que batalha pela sobrevivência da empresa mas sim do anterior gestor que a deixou chegar à pré-falência.

A Ideologia “Esquerdista”
O maior partido da oposição decide então, e contrariando a sua assinatura com as medidas de contenção orçamental previstas com a troika (e lembro que o documento original previa mais cortes na despesa do que aqueles que foram praticados), que afinal não se podem aumentar impostos nem fazer cortes no estado, começando a construir a ideia de que é necessário mais estado e menos mercado, mais investimento e menos austeridade, sendo de algum modo conducentes com a ideia de que a continua violência dos cortes e aumento dos impostos levariam à destruição da economia portuguesa e a uma muito badalada “espiral recessiva”. Esta linha de pensamento não é exclusiva do PS mas de várias personalidades políticas (de todos os quadrantes, até Cavaco Silva se deixou seduzir por esta ideia) e não políticas. O resultado final seria um desastroso incumprimento das metas orçamentais, a quebra de confiança externa e um inevitável segundo resgate. Era assim apregoado como certo o falhanço deste executivo.

A Ideologia do Governo
A impaciência e a falta de estudo, por detrás da teoria da espiral recessiva, estão a produzir uma situação de grande perigo. 
O alívio da austeridade irá, na verdade, fazer demorar a retoma e impedir que se inicie, a seu tempo, um verdadeiro período de crescimento sustentado.” Avelino de Jesus, Economista e Professor no ISEG

O governo manteve a sua linha austera acreditando em algumas premissas como:
  • Recorrer à austeridade para conseguir uma diminuição do nosso défice de forma abrupta. Esta medida, embora agressiva, seria a única forma de revelarmos aos nossos credores, aos mercados e a todas as entidades internacionais a nossa seriedade e o nosso comprometimento em tornar o nosso País independente, sem necessidade de dinheiro externo todos os anos (défice) e ser capaz de aos poucos nas próximas décadas de reduzir fortemente a sua dívida total.
  • A diminuição do défice era imprescindível para ganhar a confiança dos mercados e deste modo conseguir diminuições acentuadas das taxas de juros. Condição imperativa para um regresso independente aos mercados sem necessidade de segundo resgate.
  • Que a austeridade levaria inicialmente a uma quebra da economia mas que, juntamente com uma reforma da legislação laboral com vista a diminuir a sua rigidez, conduziria a uma facilitada adaptação das empresas às dificuldades e uma inversão da situação de recessão para uma situação de início de crescimento económico, não havendo a tal “espiral recessiva”. Embora este ajuste da economia forçado pela austeridade, que naturalmente causou muitas dificuldades e falências, não ser de todo um caminho amigável, é preciso recordar que só foi feito deste modo abrupto por se ter deixado chegar Portugal à situação de emergência e pré-bancarrota que já se sabe (Para um melhor entendimento deste ponto aconselho a leitura do link das fontes).
O governo manteve a lógica de que uma situação muito difícil só se resolve com medidas muito difíceis. A oposição, respeitando toda a filosofia irrealista e facilitista do socialismo e imbuída de um keynesianismo sedento pelo intervencionismo, acreditou que tudo o que o governo fazia estava errado e insistia nas exatas medidas responsáveis pelo desmoronamento do país que culminou na necessidade do resgate.

Quase tudo o que José Seguro e outras personalidades da esquerda defendem (quando se percebe o que elas defendem..) seria o exato caminho da desgraça repetida por José Sócrates. O investimento público que o PS adora e o “mais estado e menos mercado” na melhor das hipóteses beneficiaria Portugal num pequeníssimo curto prazo mas não criaria nenhum retorno sustentável atirando o país para uma situação cada vez pior e com mais dívida recorrente dos investimentos feitos. Na realidade, e felizmente, Seguro não poderia seguir o caminho que defende se estivesse no governo devido à impossibilidade financeira e às imposições da troika, e ele próprio o sabe.

Os Resultados da Legislatura
Fazendo uma pequena síntese dos resultados da legislatura até agora temos:
  • uma saída do resgate bastante tranquila.
  • uma população, no geral, com menores rendimentos.
  • um saldo positivo da balança corrente e de capital como não se via há décadas.
  • uma imagem e confiança no exterior totalmente alterada para melhor desde bancos internacionais, agências de rating, diminuição das taxas de juros, entre outros.
  • uma diminuição do desemprego a partir de certa altura, embora a taxa de desemprego esteja superior a 2011.
  • uma inversão positiva na economia, ainda que ténue.
  • a ausência de varias reformas estruturais que foram prometidas.
  • se hoje ficássemos repentinamente sem crédito externo teríamos dinheiro para mais de 1 ano. Na altura do resgate tínhamos dinheiro para pagar 3 semanas de ordenados da função pública.
Mais do que achar se os resultados conseguidos são razão para contentamento ou não dos portugueses, se quisermos ser intelectualmente sérios temos que no mínimo admitir uma vitória empírica da ideologia praticada por este executivo. A ideologia não absolvia os portugueses das dificuldades mas “prometia” uma inversão económica, uma correção do défice e uma saída da troika sem necessidade de segundo resgate.



Fontes: http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/avelino_de_jesus/detalhe/o_esplendor_da_teoria_da_espiral_recessiva.html